Acerca dos meus New Balance 990v2

No outro dia estava a ler o Battle Royale e tropecei no entusiasmo de um dos protagonistas acerca dos ténis importados de outra personagem. Ele usava New Balance, ao contrário das marcas domésticas que a política do livro parecia priorizar.

 

Nesse instante, vi toda a minha vida de apreciador de sapatilhas a passar a correr pelos meus olhos. Relembrou-me a forma como a minha paixão por ténis passou de uma escolha sub-cultural orientada para o conforto e para o estilo, a um hábito viral que me fazia encolher de cringe qualquer consumidor, face à forma como deixaram de ser um hábito saudável e se tornaram uma obsessão global.

 

Isto é um fenómeno que me tem atormentado ao longo de muitos aspectos na minha vida. Também a publicidade, uma paixão sincera durante anos formativos, se tornou uma relação complicada aquando da minha progressão intelectual. Quanto começamos a acrescentar nuances à forma como vemos o mundo, percebemos que uns sapatos não são só uns sapatos, podem ser muito mais do que isso. O mesmo se passa com um anúncio (ou com quase tudo).

 

Afinal, há muito acerca de ténis que é ridículo. A forma como têm ciclos de tendência revela como não são só um calçado cool (o que está a acontecer neste verão com os Samba é muito parecido com o que vi acontecer com os Stan Smith em 2014), são literalmente uma forma de defesa contra a pouca compreensão que temos da realidade do mundo, tornando-se quase uma forma de auto-defesa. Se eu estiver a usar os ténis mais cool do mundo neste momento (que para mim seriam Sambas ou 550’s, curiosamente dois pares que não tenho e que não estou a morrer de vontade comprar), talvez haja algum aspecto deste universo louco em que ainda tenho controlo. Lembra-me também como o zeigeist é um sítio tóxico, percebê-lo, nem que seja num só aspecto mínimo como aquilo que trago nos pés, pode trazer-nos tranquilidade face a inflações, política externa e, claro, o que raio vai na cabeça das pessoas.

 

Outro dos problemas que atormentaram a minha relação com ténis está próxima do ponto acima, mas consigo levá-la um bocadinho mais longe.

 

A cultura do hype fez muito por destruir o amor que ainda tinha pelo design de sapatilhas, porque sempre que aparecia um modelo que captivava a minha atenção e me fazia sentir borboletas nas solas dos pés, raramente conseguia comprá-lo. Porquê? Os motivos são muitos, bots nas filas de compras, edições limitadas e reduzidas, uma espécie de preferência por enviar o stock para influencers de forma a que as pessoas os desejem, apenas para não os conseguirem comprar. Todos estes dramas estão relacionados com uma escassez artificial do produto que a mim me irrita particularmente e que não bate certo com o meu perfil de consumidor (sou alguém que compra tão pouco e tão poucas vezes, que não vou me contentar nunca com uma segunda opção).

 

No meio disto tudo, voltei a apaixonar-me por uns ténis. Em primeiro lugar, apaixonei-me pelo preço. Eram caríssimos. Isto só podia ser uma espécie de prova de que seriam óptimos, confortáveis e estilosos, mesmo numa era em que a maioria dos ténis é cara só porque sim. Estes eram ainda mais caros que os ténis que eu normalmente acho caros e isso teve o efeito oposto em mim, parecia que queria descobrir por que raio é que este modelo podia ser assim tão overpriced.

 

Felizmente, o que não falta a quem tem interesse em ténis, são canais onde são vítimas de comentário, assim como de maus-tratos desconstrutivos, que nos ajudam a perceber a qualidade da sua confecção. No Youtube daquele rapaz que corta os ténis com recurso a uma motoserra de mesa, percebi que a confecção era realmente jeitosa, preparada para aguentar um uso intenso (eu não sou muito de rotações, quando tenho alguma cena que curto uso demais, como um personagem de anime cujo criador tem recursos limitados).

 

Outro motivo que me fez querer estes ténis foi uma daquelas razões conceptuais absolutamente desnecessárias que só existem na minha cabeça e que me levam a perseguir objectivos que são muito difíceis de descodificar para os outros. Eu admito: Como é que podia ir de férias aos Estados Unidos, sem levar uns ténis que fossem feitos nos Estados Unidos?

 

A ideia é idiota, mas os 990 são das poucas gamas da New Balance com produção em solo norte-americano, o que também justifica o seu preço elevado. Como ia estar a pisar alguns dos locais que mais associo à minha ideia de América (aquela que nos é imposta através da dieta mediática popular), queria celebrar isso com os ténis locais. Já agora, levando estes ténis de volta à América, para voltarem a casa. A minha obsessão pelos sentimentos de objectos inanimados pode ser culpada pela Disney ou pelos Beyblades.

 

Se pensarmos bem, é um disparate, porque podia tê-los comprado lá e ficavam com um custo carbónico mais sensato, em vez de estarem a viajar para a Europa só para regressarem a casa. Ainda assim, andei alguns meses com eles por cá antes do tão desejado retorno a casa. E enquanto andava na América, reparei muitas vezes no USA que dizia nas sapatilhas e achava divertido como andava a passear com eles.

 

Fora de brincadeira, são muito bonitos. As linhas desportivas afastam-nos daquelas versões maçudas que podemos considerar dad shoes, apesar de também cumprirem esse papel se for preciso. Ficam muito bem com calças de ganga, para look super-americano, mas também funcionam nos meus looks de verão que consistem em andar de calções de banho e t-shirts oversized pela cidade como se isso fosse uma escolha sensata. Teve graça porque em Los Angeles descobri que esse é o fit mais regular dos locais, se bem que não se coíbem de usar calções de basquetebol e t-shirts de marca (idealmente designer, quase sempre com os logos grandes a fazerem publicidade ao tamanho da carteira do dono).  

 

Só não sabia é que me ia estar a meter noutro fenómeno quando os comprei. Pelos vistos, o meu colorway neutro é uma sacada do Teddy Santis (não comprei os cinzentos das influencers, mas sim uns brancos, bege e cinza para maior versatilidade). Eu, que já caí várias vezes na cilada da Aimé Leon Dore de actualização dos clássicos casuais norte-americanos, dei por mim a comprar uns sapatos cuja palete foi escolhida pelo director criativo da Aimé, agora também director criativo da New Balance.

 

Nunca tinha tido uns New Balance porque achava sempre o “N” lateral demasiado grande e porque a primeira vaga que bateu em Portugal era super orientada para sneakerheads (para isso continuava a usar Nike como sempre), mas apercebo-me agora que se calhar o trabalho do Teddy com a marca (e as collabs com a Aimé) também os revitalizaram na minha mente.

 

Para rematar o texto, só uma reflexão ergonómica sobre como parecem ter o canhão dos ténis ligeiramente mais largo, o que evita aquele fenómeno de redondo frontal que os Nike acabam por ter imenso. Obrigado pela paciência para este texto, vamos às botas Chelsea no próximo.

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